quinta-feira, novembro 11, 2010

TDAH em adultos e sua influência no casamento

Durante muito tempo eu sofri com a desatenção e os esquecimentos do meu marido. Durante a gravidez, quando eu fico completamente fora do ar e deixo de lado muitas das minhas tarefas habituais, era ainda pior. Ele esquecia das coisas que precisavam ser feitas ou simplesmente nem exergava a necessidade de fazê-las (como podar o pé de maracujá do quintal, que cresceu tanto que alcançou a metade do terreno e tomou todo o muro). Ou quando eu pedia que ele as fizesse, não era raro que ele se distraisse e deixasse a tarefa inacabada (como nas várias vezes em que ele começou a estender a roupa e deixou tudo pela metade, eu encontrei todas esturricadas lá fora, dias e dias depois. Sorte que era época da seca, se fosse de chuva tinha mofado tudinho). O problema principal era que eu tinha que resolver praticamente tudo. E quando delegava algumas pra ele fazer, precisava ficar cobrando o tempo todo. Sem contar com as milhares de vezes em que ele perdeu a carteira, as chaves, o cartão do banco, a certidão de casamento, etc.

Só pra exemplificar, ele já esqueceu de fechar o portão da garagem uma vez que foi viajar de madrugada, também deixando a porta destrancada e a luz de fora acesa (só faltou a plaquinha: venham ladrões!), já teve que cancelar cartão porque tinha perdido (e depois encontrou no meio dos cheques), esquece praticamente tudo que eu peço pra ele fazer (e aí eu tenho que ligar pra lembrar) e se distrai facilmente no meio das nossas conversas, mesmo que estejamos discutindo.

Acho que a pior parte era que, quando eu comentava isso com as amigas, elas me diziam que os homens são assim mesmo, que todos são assim. Ou seja, eu tinha que me conformar e aceitar a situação, não importanto o quanto aquilo pesasse nas minhas costas. Isso me deixava extremamente triste, porque eu não conseguia entender que as coisas PRECISAM ser assim e nem que TODOS os homens são iguais. Afinal, se o homem que eu conheci melhor na vida, meu pai, não era assim,então a teoria de que todos são assim estava furada, não é? Ele pode ter milhões de outros defeitos, mas ele não é desatento e nem esquecido.

Acontece que eu não me conformei e continuei buscando uma resposta e uma solução para o meu problema, que estava destruindo o meu casamento. E eis que descobrimos que o Gustavo tem TDAH - Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Eu já achava que ele tinha isso mesmo, algumas pistas me indicavam este caminho, como ele dizer que era impossível quando era criança e o fato dele se distrair demais, inclusive durante algumas conversas. E funciona mais ou menos assim: quem tem este distúrbio é desatento, hiperativo e impulsivo. Não consegue completar suas tarefas porque qualquer outro estímulo tira o foco de sua atenção e ele esquece completamente do que estava fazendo antes. Também vivem perdendo coisas.

Esse distúrbio existe em diversos graus, do mais leve ao mais forte, atingindo a vida da pessoa na mesma medida. Por isso muitas vezes as pessoas não imaginam que têm um problema de saúde e não de comportamento. Elas não são preguiçosas, esquecidas ou irresponsáveis. Elas simplesmente precisam de ajuda terapêutica.

E o mais interessante é que na revista Saúde de Outubro saiu uma reportagem justamente sobre os problemas causados na vida conjugal quando um dos dos dois tem TDAH. E trata de um ponto muito importante: o fato de que até os médicos muitas vezes desconhecem a existencia da doença em adultos e ainda acham que pessoas que conseguiram alcançar um certo ponto de desenvolvimento, como completar o nível superior ou dar aulas numa faculdade, não têm a doença ou se tem, não precisam ser medicadas.

De acordo com a revista, o TDAH é mais comum nos homens, embora tenha maior impacto nas mulheres. E diz que estima-se que o distúrbio atinja cerca de 5% de crianças e jovens, dos quais metade permanece com a doença e seus sintomas ao se tornar adulto. No Brasil, isso significa quase 3 milhões de pessoas. Esse foi o caso do Gustavo. Eu ainda não consegui identificar se os pais dele perceberam que existia um problema e não tiveram apoio profissional pra isso ou se simplesmente acharam que ele era assim mesmo e pronto. O pior é que, conhecendo como funcionam as coisas com eles, pendo a achar que a última alternativa é a verdadeira.

E não é o único caso. Muitos pais ainda se ofendem quando os professores pedem que eles levem o filho a um profissional especializado para fazer o teste da doença. Ao invés de fazer logo o teste, ficam argumentando com os professores e com o mundo, como se isso fosse mudar alguma coisa. Não que tenhamos que engolir tudo o que os professores falam sobre nossos filhos, mas em um caso como esse vale a pena fazer o teste. Não dói e não arranca o pedaço. Se a criança não tiver nada, pronto está tudo resolvido, bola pra frente. Pior é a criança ter a doença e não ser tratada a tempo, passar por vários problemas que poderiam ser evitados e chegar na vida adulta tendo que enfrentar ainda mais desafios. E não ache que eu estou falando isso só por causa do meu caso não. Minha mãe trabalha há quase 20 anos em jardim de infância e cansada de ver crianças com problemas, muitas vezes mais sérios do que TDAH e cujas mães simplesmente não querem aceitar, nem enxergar. Como se isso fosse fazer com que a criança se tornasse um ser humano pior ou inferior aos outros. Puro preconceito.

Enfim, estamos caminhando para uma solução de um problema grande em nossa vida, graças a Deus. Fico feliz em ter percebido os sinais e pelo Gustavo ter me ouvido e aceitado fazer os exames. Gostaria que outras pessoas não precisassem passar pelo que eu passei, pela falta de apoio que eu passei, pelo sentimento de que havia algo errado COMIGO então, já que todos achavam que era assim mesmo. Por isso escrevi esse post. Se meu texto ajudar UMA pessoa sequer com isso, eu já estou feliz.

Para ler a reportagem da revista Saúde, clique aqui.

6 comentários:

Vanessa e Enzo disse...

E eu já me sinto feliz em ver que vc não se acostumou e saber que tudo está caminhando para melhorar!
Beijinhos!

Flavinha disse...

É interessante ler um relato de quem está do outro lado da relação, porque as vezes nós destruímos tudo sem sequer nos darmos conta, pois simplesmente não conseguimos medir as consequências de alguns atos, especialmente se a desatenção vem acompanhada da impulsividade, que é o meu caso.
Além de mim, em minha família somos, diagnosticados, mais 3. Duas primas e um primo. E olha, não é fácil.
Penso que hoje, e até mesmo pela vivência familiar e essa dinâmica de vida que muitas vezes nos é imposta, que TDAHI é transtorno moderno, pois afinal as cobranças de hoje são maiores e até mesmo diversas em relação a 50 anos atrás, quando, por exemplo, os pais do seu marido começaram uma relação e pensaram em ter filhos.
Hoje para fazer faculdade, estudamos feitos animais e enfrentamos concorrência cruel por vagas em boas instituições. O mesmo com concursos públicos em busca de estabilidade, já que o sustento hoje não é sustento, é também capitalismo, ligado a prazer, conforto e lazer.
Enfim, o importante é, além de sobreviver, tratar e viver. E um entendimento e compreensão de quem nos ama tb é essencial.
Beijos e sucesso.

Nine disse...

Muito bom esse seu texto, em? Achei muito interessante e me peguei pensando sobre o assunto. É interessante como certos problemas de antigamente, ditos comuns, são as síndromes de hj em dia. Ainda bem que a medicina evolui, né? Espero que tudo se resolva bem para vcs! Beijos!

Unknown disse...

Enfrento preconceito semelhante, tenho EM (esclerose múltipla) mas não tenho sequelas graves (ou visíveis) e o pior sintoma que possuo, o mais debilitante, é a fadiga, que por vezes me impede até de escovar os dentes sem ficar muuuuito cansada. Esse sintoma, aliado à falta de "provas visíveis a olho nu) de que tenho a doença, faz com que as pessoas pensem que sou preguiçosa e pronto. Esse tipo de coisa faz mais mal que a própria doença. Se o seu marido aceitou logo fazer os testes, provavelmente é porque sofresse com isso tanto ou mais do que você.
Muito bom o texto. Esclarecedor e certamente ajudará alguém que esteja passando por problema semelhante.

Abraços

Maria Betânia de Amorim disse...

Taty que interessante essa postagem, eu mesma nunca tinha ouvido falar. Sabe o melhor de tudo, mais até que a pesquisa, que seu marido te ouviu, aceitou e procurou ajuda, é a prova mais linda que ele te ama e acredita no casamento de vocês. POis muitos nem se quer se dão o trabalho de parar para nos ouvir e quando ouve nem se mostra interessado.
Outra, amei o link TOP COMENTARISTA fiquei surpresa em saber que eu estava em terceiro lugar mesmo com esse tempo que andei sumida...hhahaha Beijos minha amiga, tudo de bom para vc e sua familia linda, que Deus sempre abençôe todos.

Adriana Alencar disse...

A TDAH em adultos é um diagnóstico recente, antes acreditava-se que existia somente em crianças. O bom é que ela pode ser tratada, você deve conversar com um neurologista.
Bj
Adri