Tem uma história que eu admiro bastante e sempre quis contar aqui no blog. É algo bem conhecido pelos escoteiros, mas nem tanto assim por quem não é, apesar do nome do protagonista ter sido dado a vários monumentos e ruas pelo Brasil, até mesmo a um estádio de futebol. É a história de Caio Viana Martins, que tinha apenas 15 anos, mas deu ao mundo um exemplo ímpar de dedicação, amor ao próximo e serviço.
Aliás, o grande feito de Caio teria passado desapercebido, se não fosse o testemunho de dois influentes políticos mineiros Alcides Lins e Octacilio Negrão de Lima, que
impressionados com a ação dos escoteiros no socorro aos feridos e com o
gesto de desprendimento de Caio Martins, levaram aos jornais o que
tinham assistido.
Gosto de me lembrar dessa história sempre que algumas pessoas usam a pouca idade como desculpa para a inconsequência, falta de respeito e imaturidade de alguns jovens...
Caio tinha 15 anos e, desde os 8 fazia parte do Grupo Escoteiro Afonso Arinos (atualmente inexistente), de Belo Horizonte. Em dezembro de 1938 ele embarcou no trem noturno com destino a Volta Redonda (RJ), junto com outros 24 membros de seu grupo, para participar de uma excursão técnica/cultural em São Paulo. Esse tipo de excursão é muito comum no Movimento Escoteiro. Eu mesma, com a idade dele, fiz uma também para São Paulo. Não havia porque pensar que algo poderia dar errado.
Acontece que, às 2h05 da madrugada, ao descer a Serra da Mantiqueira, o trem noturno chocou-se com outro, um cargueiro que, por algum erro, subia pela mesma linha. Com o choque muitos carros descarrilaram, outros engavetaram e alguns se desmontaram. O vagão da frente ao ocupado pelos escoteiros saltou dos trilhos, atravessando para a direita, engavetando-se, partindo-se e tombando sobre o barranco, comprimido para a frente pela pressão dos vagões restaurante e leito.
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Imagem do acidente divulgada nos jornais da época |
Na noite escura os escoteiros foram reunidos pelos chefes em um ponto da estrada. Percebeu-se a ausência de um escoteiro e um lobinho, que posteriormente foram encontrados mortos. Acontece que, com o desastre (o trem estava cheio), estabeleceu-se o pânico entre os sobreviventes. Liderados por seus chefes - Clairmont Orlando Gomes e Rubens Amador, os escoteiros passaram a socorrer os feridos, confeccionando macas com lençóis e paus, e providenciando uma fogueira com tábuas retiradas dos vagões, facilitando o trabalho de resgate e socorro.
Esse trabalho dos escoteiros mineiros foi essencial, pois a ajuda externa só chegou às 7 da manhã. Ou seja, aproximadamente 5 horas depois do acidente. Os passageiros feridos (inclusive alguns escoteiros), foram transportados para Barbacena. No desastre morreram 40 pessoas, inclusive um escoteiro e um lobinho.
Caio Viana, que na época era monitor de sua patrulha, foi retirado do vagão por seus companheiros durante a madrugada e recolhido ao vagão leito, que permaneceu intacto e serviu de pronto socorro. Mas deu sinais de melhora e passou a ajudar no resgate, estancando sangue de feridos, e até ajudou na remoção de cinco feridos para o vagão leito. Acontece que ele havia recebido uma forte pancada na região lombar, e sem saber tinha sofrido esmagamento das víceras e hemorragia interna. Mesmo assim, quase não comentava a dor intensa que sentia.
Quando notou um
enfermeiro se aproximando dele com a maca, olhou ao redor e viu que havia
outros feridos mais necessitados. Encarando o enfermeiro disse: "Não. Há
muitos feridos aí. Deixe-me que irei só. Um Escoteiro caminha com as
próprias pernas". E, acompanhado dos amigos, seguiu andando, para a cidade.
Porém, o esforço que
fez foi muito grande. Ao chegar ao hotel em Barbacena deu algumas golfadas de sangue (em conseqüência da
hemorragia interna que sofreu) e foi levado para a Santa Casa, vindo a falecer no dia seguinte, na presença de seus pais. Foi sepultado no cemitério de Bom Fim, zona norte de Belo Horizonte, junto do escoteiro Gerson e do lobinho Hélio Marcos,que também morreram no acidente.
Foto tirada durante o Multirão Pioneiro Nacional de 2009 |
Atualmente, Caio Viana Martins é o escoteiro
símbolo do Brasil. Em 1941, em Niterói, o Governo do Estado do Rio de Janeiro inaugurou uma grande praça de esportes, denominando-a "Estádio Caio Martins", em homenagem ao jovem que, por seu gesto, tornou-se modelo para os escoteiros de todo o Brasil. Além disso, em Juiz de Fora/MG, foi-lhe erguido um monumento no parque central da cidade (Parque Halfeld). A estátua foi doada pelo Grupo Escoteiro Caiuás com o apoio do Instituto Granbery.
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